sábado, 12 de março de 2011

técnica (2011/01)

Técnica e espaço
Orlando Albani

Mesmo que não seja um modo inédito de iniciar a abordagem de um tema, a utilização de dicionários sempre nos dá algum ponto de partida para o pensamento. Os dicionários de língua portuguesa não nos fornecem muito mais, entretanto, do que temos de senso comum. Estes invariavelmente definem “técnica” como uma “maneira ou jeito de executar ou fazer algo” (AURÉLIO, 1975, p. 1360, vb. técnica) ou “maneira própria de realizar uma tarefa” (HOUAISS, 2004, p.710, vb. técnica). Neste sentido a técnica se constitui como um procedimento, um modo especifico – e reproduzível - de realizar uma tarefa.
Considerando esta definição, podemos diferenciar, por enquanto, técnica e objeto técnico. Na prática um objeto técnico de pouco serve caso não se conheça a técnica para a sua correta utilização. Um exemplo seria o do serrote, que é um objeto técnico cujo objetivo é cortar madeira e cuja técnica consiste em executar um movimento de vaivém sobre aquilo que se deseja cortar. Embora o serrote seja uma objeto técnico, ele tem pouca utilidade se não conhecemos (a) sua finalidade e (b) seu modo de utilização. Conclui-se, então, que todo objeto técnico tem uma finalidade, foi construído com um objetivo, em nosso exemplo, simplificar o corte de madeira, tornando esta ação mais fácil e rápida. Enfim, o objeto técnico é construído ou fabricado com um objetivo (uma finalidade específica): o de realizar uma técnica pensada com a finalidade de melhorar ou facilitar uma atividade.
A técnica, portanto, seria o modo pensado (idealizado) de executar uma ação qualquer e o objeto técnico aquilo que serve para executar a técnica. Outro exemplo: uma casa ou uma hidrelétrica também são objetos técnicos, cujos objetivos são realizar as técnicas de abrigar-se e de gerar energia elétrica, respectivamente. Podemos pensar, então, que as paisagens são cheias de objetos técnicos – casas, estradas, linhas de transmissão de energia, barragens, aeroportos, cidades, campos agrícolas – e que “por de trás deles” existem técnicas – como projetos – que os precederam. De certo modo poderíamos dizer que a técnica é um projeto voltado para um fim (a realização de uma necessidade) e que o objeto técnico é o meio físico ou concreto para a sua realização (a obtenção do fim, a superação da necessidade). Parece também ter sentido dizer que uma coisa não existe sem a outra. Não pode haver um objeto técnico para o qual não tenha sido pensada uma técnica e uma técnica “não existe” sem um objeto através da qual se realize.
Neste ponto se fazem já necessárias certas pontuações (sínteses) a serem discutidas adiante. Primeira: toda técnica tem um objetivo ou finalidade. Segunda: as técnicas exigem a construção de objetos para a sua realização. Terceira: os objetos técnicos são a manifestação concreta (física) de uma técnica, ou ainda, o aspecto visível da técnica; são aquilo que se vê, fisicamente, no espaço; são o que preenchem a paisagem. Quarta: se a técnica é um projeto voltado para um fim, tal finalidade não se manifesta clara e totalmente no objeto; o fim da técnica precisa ser compreendido superando o puramente visível.
Em uma passagem para nós fundamental em função da exposição do “conteúdo técnico do espaço”, diz Milton Santos:

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico.

O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.
Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações não se dão sem os sistemas de objetos. (SANTOS, 1997, p.51)
Se bem entendemos, Milton Santos deixa claro o aspecto técnico do espaço, dado pelos objetos técnicos, que – e isso é muito importante – dão ao espaço um conteúdo técnico. O espaço não apenas é constituído por objetos técnicos mas, igualmente, possui um conteúdo técnico.
É nesse conteúdo técnico que reside a técnica propriamente dita. Técnica e objeto técnico, deste modo, não são, precisamente a mesma coisa, embora constituam um binômio inseparável. Os objetos técnicos são, para usar um termo, a territorialização física da técnica, sua execução e funcionamento. A técnica é seu projeto. E é neste projeto do objeto técnico que se localiza a real finalidade com que o objeto foi feito. É pela explicação da técnica embutida no objeto que se revela o conteúdo do objeto. Técnica é objetivo. Assim, embora façamos uma primeira leitura do espaço através dos objetos que o compõe, é preciso compreender a técnica existente no objeto para que se possa, efetivamente, compreender o espaço, ou, ainda, o modo de produção do espaço geográfico. Compreender a técnica significa compreender o seu objetivo final e o seu sentido no espaço geográfico. A técnica é a ação e a objetivação por de trás do objeto. A história da humanização do homem é a história da tecnificação do espaço, da transformação na Natureza em uma segunda natureza. Ou, com Ruy Moreira:

a história da técnica é a história dos espaços, e vice-versa. Uma história de enraizamento cultural territorial-ambiental, que começa com a descoberta do fogo e culmina na moderna criação da informática. (MOREIRA, 2001, p.22).

A técnica pode, portanto, ser tomada como uma ação que se destina a realização de um objetivo, de uma ação que tem uma certa finalidade e que se materializa/territorializa no espaço através de objetos, ditos técnicos, mas que também podem ser considerados geográficos, pois são fruto de uma ação, que ocorre ao mesmo tempo, que é a da produção do espaço. O espaço geográfico é produzido através de técnicas desde o surgimento da humanidade e de sua socialização. [segue ...]




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