sábado, 19 de março de 2011

REPRODUZO AQUI O TEXTO PUBLICADO NO ÓTIMO SITE "OUTRAS PALAVRAS" (19/03) - O LINK, PARA LEITURA DA VERSÃO ORIGINAL, ESTÁ AO FINAL.

Líbia: guerra Clube Med

Por Pepe Escobar, do Asia Times Online (19.03.11)


Seria realmente estimulante imaginar que a Resolução n. 1.973 da ONU tivesse sido votada na 5ª-feira só para oferecer suporte ao movimento anti-Gaddafi que está sitiado. Para socorrê-lo com zona aérea de exclusão, logística, comida, ajuda humanitária e armas. Seria a prova de que a “comunidade internacional” realmente “está ao lado do povo líbio em sua luta por direitos humanos universais”, nas palavras da embaixadora dos EUA à ONU, Susan Rice.
Infelizmente, ainda falta muito para que se chegue a essa situação de fazer a coisa (moral) certa. A história deve registrar que o ponto de virada foi, sim, a 3ª feira, 15/3. quando, em entrevista a uma televisão alemã, o africano rei dos reis disse, com todas as letras, às megaempresas ocidentais – excluiu as alemãs, porque a Alemanha estava contra a zona aérea de exclusão – que dessem adeus aos anos de bonança alimentados com petróleo líbio. Gaddafi disse, literalmente: “Não confiamos naquelas empresas. Conspiraram contra nós. Nosso petróleo agora irá para os russos, os chineses, os indianos.” Em outras palavras: para os BRICS. (Líbios e o xeque do Bahrain: “rock’n roll” de sabres, 17/3/2011, Castorphoto).
É interessante que a Resolução n. 1.973 tenha recebido 10 votos a favor, zero contra, com cinco abstenções. As abstenções vieram, exatamente, de quatro BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China), mais a Alemanha. O Brasil e a Alemanha haviam manifestado profunda descrença sobre a efetividade de qualquer ação militar, optando por solução diplomática; mas Rússia, Índia e China votaram, provavelmente, movidas por outras motivações (energéticas). Os quatro principais BRICS (a África do Sul votou a favor da resolução, e só em abril será oficialmente integrada ao grupo) em geral votam coordenados, nas principais decisões.
A Líbia é a maior economia movida a exportações de petróleo da África, à frente da Nigéria e da Argélia. Tem pelo menos 46,5 bilhões de barris de reservas comprovadas (10 vezes mais que o Egito). Equivalem a 3,5% das reservas globais totais. A Líbia produz entre 1,4 e 1,7 milhões de barris de petróleo/dia, mas quer chegar a três milhões/dia. É óleo muito bem cotado, sobretudo pelo baixo preço de produção (cerca de $1,00 o barril).
Quando Gaddafi ameaçou as grandes ocidentais do petróleo, estava dizendo que o show acabou para a Total francesa, para a italiana ENI, para a British Petroleum (BP), para a espanhola Repsol, para a ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess and Conoco Phillips –, mas não para a China National Petroleum Corp (CNPC). A China considera a Líbia fator essencial para sua segurança energética. A China compra 11% do petróleo exportado pela Líbia. A empresa chinesa CNPC repatriou silenciosamente nada menos que 30 mil chineses que trabalhavam na Líbia (a British Petroleum tinha na Líbia só 40 funcionários).
A gigante italiana de energia ENI produz mais de 240 mil barris de petróleo/dia – quase 25% do total de exportações da Líbia. E nada menos que 85% do petróleo líbio é vendido a países da União Europeia.
Uma lista de quem-é-quem dos que – teoricamente – se beneficiam na operação militar sancionada pela ONU/OTAN/Liga Árabe na Líbia tem de incluir a União Europeia e o “Big Oil” anglo-americano. Para não falar de Wall Street – pensem nos bilhões de dólares da grande finança líbia depositada em bancos ocidentais e agora confiscados; e, claro, também os fabricantes de armas da União Europeia e dos EUA.
Dependendo de que como seja aplicada e de o quanto Gaddafi resista, a Resolução n. 1.973 está intimamente ligada a grave interrupção do suprimento de petróleo para a União Europeia, especialmente para Itália, França e Alemanha. E isso tem todos os tipos de implicações geopolíticas, a começar pelo relacionamento entre EUA e União Europeia. Todos querem estar bem posicionados no ambiente energético pós-Gaddafi.
O item chave da Resolução n. 1.973 é o item 4 – tipo “Autoriza estados-membros da ONU a tomar todas as medidas necessárias, apesar do embargo anterior a armas, para proteger civis e áreas de população civil contra a ameaça de ataque na Jamahiriya Líbia Árabe, incluindo Benghazi, excluídas as forças estrangeiras de ocupação em qualquer parte do território líbio”.
Essencial destacar que “tomar todas as medidas necessárias” vai bem além de uma zona aérea de exclusão, e para a um passo de invasão por terra. No que interessa, autoriza ataques aéreos ou por mísseis-cruzadores contra os tanques de Gaddafi na estrada para Benghazi, por exemplo. Mas pode cobrir também bombardeio dos prédios do governo de Gaddafi em Trípoli – quartel-general, palácio de governo etc. Dado que Gaddafi já manifestou disposição de lutar até a morte, é justo pressupor que a Resolução n. 1973 estende-se até a derrubada do governo de Gaddafi.

Mas… e quanto ao Bahrein?
É hora, então, do Alerta n. 1 Anti-hipocrisia. Foi uma delícia assistir a Alain Juppe, de volta ao cargo de ministro das Relações Exteriores da França – e pregando sobre valores humanitários – em substituição ao ícone de Chanel, Michele Alliot-Marie, que passou um fim-de-semana na Tunísia, exatamente quando, nas ruas, o povo lutava para livrar-se do ditador Zine el-Abidine Ben Ali.
O governo Barack Obama – pelo menos em público – parecia dividido entre a secretária de Estado Hillary Clinton (a favor da zona aérea de exclusão) e Robert “El Supremo do Pentágono” Gates (contra). O presidente Obama segurou suas cartas até o último segundo (disse, no máximo, que Gaddafi tinha de sair). Agindo assim, entregou a responsabilidade pela decisão à ONU, cabendo a tarefa de montar a primeira versão escrita da Resolução ao dueto franco-britânico e um país árabe (foi o Líbano).
O que, para alguns críticos, seria sinal de hesitação e, até, de covardia do presidente, que não quis comprometer-se, e “fracasso de Obama, que não atuou decisivamente a favor da liberdade”, bem pode ser visto também como manobra esperta, nas coxias, deixando a impressão de que a ONU legitimou mais uma – o termo imundo é inevitável – “coalizão de vontades” internacional, não alguma intervenção ocidental. Alguém aí preferiria “não-imperialismo humanitário”?
Agora, tudo depende de como a OTAN operará a partir de bases militares francesas ao longo do Mediterrâneo e a Força Aérea italiana e as bases navais na Sicília, ao custo de 300 milhões de dólares por semana. Gates, o do Pentágono, já realocou os ativos navais dos EUA para perto da costa da Líbia. E garantiu a Obama que o Pentágono tem condições – e por que não teria? – para abrir um terceiro front de guerra.
Com o quê, chegamos à hora do Alerta n. 2 Anti-hipocrisia. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar e a Jordânia podem, todos, colaborar com as forças anti-Gaddafi de EUA/OTAN. Três desses são membros do Conselho de Cooperação do Golfo. Como membros da Liga Árabe, todos votaram, semana passada, a favor de uma zona aérea de exclusão. Que cósmica ironia ver essas quatro ditaduras apoiando operação militar a favor dos mesmos manifestantes que clamam por justiça, dignidade e democracia, bem ali, em seus próprios jardins!
O governo provisório, militar, do Egito, mais sensível, já disse que não participará de nenhuma operação militar. Em vez disso, os militares egípcios estão embarcando rifles de assalto e munição, enviados pela fronteira oriental da Líbia – com aprovação de Washington.
Assim sendo, a pergunta é inevitável. A ONU votará com o mesmo empenho e presteza para impor uma zona marítima de exclusão na Arábia Saudita – para impedir que enviem tanques e soldados, por mar, para reprimir o povo no Bahrain, país que a Arábia Saudita já invadiu?
Hora do Alerta n. 3 Anti-hipocrisia. Washington, segundo a novíssima doutrina do governo Obama, aplica “o braço dos EUA” para ajudar rebeldes que enfrentem ditadores “do mal” como Gaddafi. Os rebeldes, às vezes, ganham total apoio da ONU. Então, Washington prega “alteração de regime”, quando lida com “nossos” filhos-da-puta, como os al-Khalifas do Bahrain e a Casa de Saud. Os ditadores salvam a pele e não são acusados de assassinato.
A bola (de fogo) no Med está no campo de Gaddafi. Seu ministro da Defesa já avisou que todo o tráfego aéreo e naval no Mediterrâneo está por um fio – e que vale tudo, inclusive alvos civis e militares. Gaddafi, pessoalmente, disse ao canal RTP, de Portugal, que “se o mundo enlouqueceu contra nós, também enlouqueceremos. Responderemos. Converteremos a vida deles num inferno, porque estão convertendo nossa vida num inferno. Jamais terão paz.”
Portanto, cuidado. A grande revolta árabe de 2011 está à beira da loucura. Essa guerra clube-Med pode ser um vendaval – ou virar desgraça sangrenta, furiosa, dos infernos.
[CAP.: 20/03/2011]

FONTE:

sábado, 12 de março de 2011

CHINA


Reproduzimos a seguir um informe sobre a China, a nova 2ª potência econômica mundial:

Ascensão da China à 2ª economia mundial

 " PEQUIM, 15 FEV (EFE).- A confirmação da China como a segunda maior economia mundial em 2010 foi recebida com precaução pelos economistas chineses, que asseguraram que o gigante asiático "ainda tem que percorrer um longo caminho para melhorar economicamente", destacou o diário oficial "China Daily".
Segundo economistas como Lu Zhongwei, do Industrial Bank, a ascensão da China em detrimento do Japão "não é uma surpresa", mas deve ser acompanhado com o dado de que a renda per capita chinesa (US$ 4.300) é dez vezes menor que a japonesa.
"Não devemos superestimar o número do PIB, levando em conta que a população da China é dez vezes maior que a do Japão", ressaltou Yi Xianrong, da Academia Chinesa de Ciências Sociais.
O próprio chefe do Birô Nacional de Estatísticas, responsável pelos dados macroeconômicos chinesas, Ma Jiantang, ressaltou que a China tem outros problemas estruturais além de sua superpopulação, tais como "uma base econômica débil, poucos recursos e amplos povoados vivendo na pobreza".
Outros diários chineses ligados ao Governo, como o "China Youth Daily", descreveram a chegada da China à condição de segunda maior economia do mundo como uma "felicidade vazia", dado que o preço a pagar pela ascensão econômica foi uma forte deterioração ambiental e uma mão de obra com salários excessivamente baixos.
Ao mesmo tempo, a qualidade de vida, a educação e a saúde ainda não alcançaram os padrões dos países desenvolvidos, ressalta o diário, ligado ao Partido Comunista da China.
O Governo do Japão assinalou na segunda-feira que seu PIB totalizou US$ 5,47 trilhões em 2010, pelo que cedeu a posição pela China pela primeira vez em décadas, já que Pequim anunciou em janeiro um PIB de US$ 5,88 trilhões.
Há 20 anos, a China não estava sequer entre as dez maiores economias mundiais, mas em 1992 já figurava em décimo lugar, alcançando o sétimo posto cinco anos depois. Mais dez anos e o gigante asiático deixou para trás Itália, França, Reino Unido e Alemanha, tornando-se a terceira maior economia."
[FONTE: http://br.noticias.yahoo.com/s/15022011/40/economia-analistas-chineses-veem-precaucao-ascensao.html (in: 15/02/2011)]

técnica (2011/01)

Técnica e espaço
Orlando Albani

Mesmo que não seja um modo inédito de iniciar a abordagem de um tema, a utilização de dicionários sempre nos dá algum ponto de partida para o pensamento. Os dicionários de língua portuguesa não nos fornecem muito mais, entretanto, do que temos de senso comum. Estes invariavelmente definem “técnica” como uma “maneira ou jeito de executar ou fazer algo” (AURÉLIO, 1975, p. 1360, vb. técnica) ou “maneira própria de realizar uma tarefa” (HOUAISS, 2004, p.710, vb. técnica). Neste sentido a técnica se constitui como um procedimento, um modo especifico – e reproduzível - de realizar uma tarefa.
Considerando esta definição, podemos diferenciar, por enquanto, técnica e objeto técnico. Na prática um objeto técnico de pouco serve caso não se conheça a técnica para a sua correta utilização. Um exemplo seria o do serrote, que é um objeto técnico cujo objetivo é cortar madeira e cuja técnica consiste em executar um movimento de vaivém sobre aquilo que se deseja cortar. Embora o serrote seja uma objeto técnico, ele tem pouca utilidade se não conhecemos (a) sua finalidade e (b) seu modo de utilização. Conclui-se, então, que todo objeto técnico tem uma finalidade, foi construído com um objetivo, em nosso exemplo, simplificar o corte de madeira, tornando esta ação mais fácil e rápida. Enfim, o objeto técnico é construído ou fabricado com um objetivo (uma finalidade específica): o de realizar uma técnica pensada com a finalidade de melhorar ou facilitar uma atividade.
A técnica, portanto, seria o modo pensado (idealizado) de executar uma ação qualquer e o objeto técnico aquilo que serve para executar a técnica. Outro exemplo: uma casa ou uma hidrelétrica também são objetos técnicos, cujos objetivos são realizar as técnicas de abrigar-se e de gerar energia elétrica, respectivamente. Podemos pensar, então, que as paisagens são cheias de objetos técnicos – casas, estradas, linhas de transmissão de energia, barragens, aeroportos, cidades, campos agrícolas – e que “por de trás deles” existem técnicas – como projetos – que os precederam. De certo modo poderíamos dizer que a técnica é um projeto voltado para um fim (a realização de uma necessidade) e que o objeto técnico é o meio físico ou concreto para a sua realização (a obtenção do fim, a superação da necessidade). Parece também ter sentido dizer que uma coisa não existe sem a outra. Não pode haver um objeto técnico para o qual não tenha sido pensada uma técnica e uma técnica “não existe” sem um objeto através da qual se realize.
Neste ponto se fazem já necessárias certas pontuações (sínteses) a serem discutidas adiante. Primeira: toda técnica tem um objetivo ou finalidade. Segunda: as técnicas exigem a construção de objetos para a sua realização. Terceira: os objetos técnicos são a manifestação concreta (física) de uma técnica, ou ainda, o aspecto visível da técnica; são aquilo que se vê, fisicamente, no espaço; são o que preenchem a paisagem. Quarta: se a técnica é um projeto voltado para um fim, tal finalidade não se manifesta clara e totalmente no objeto; o fim da técnica precisa ser compreendido superando o puramente visível.
Em uma passagem para nós fundamental em função da exposição do “conteúdo técnico do espaço”, diz Milton Santos:

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico.

O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.
Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações não se dão sem os sistemas de objetos. (SANTOS, 1997, p.51)
Se bem entendemos, Milton Santos deixa claro o aspecto técnico do espaço, dado pelos objetos técnicos, que – e isso é muito importante – dão ao espaço um conteúdo técnico. O espaço não apenas é constituído por objetos técnicos mas, igualmente, possui um conteúdo técnico.
É nesse conteúdo técnico que reside a técnica propriamente dita. Técnica e objeto técnico, deste modo, não são, precisamente a mesma coisa, embora constituam um binômio inseparável. Os objetos técnicos são, para usar um termo, a territorialização física da técnica, sua execução e funcionamento. A técnica é seu projeto. E é neste projeto do objeto técnico que se localiza a real finalidade com que o objeto foi feito. É pela explicação da técnica embutida no objeto que se revela o conteúdo do objeto. Técnica é objetivo. Assim, embora façamos uma primeira leitura do espaço através dos objetos que o compõe, é preciso compreender a técnica existente no objeto para que se possa, efetivamente, compreender o espaço, ou, ainda, o modo de produção do espaço geográfico. Compreender a técnica significa compreender o seu objetivo final e o seu sentido no espaço geográfico. A técnica é a ação e a objetivação por de trás do objeto. A história da humanização do homem é a história da tecnificação do espaço, da transformação na Natureza em uma segunda natureza. Ou, com Ruy Moreira:

a história da técnica é a história dos espaços, e vice-versa. Uma história de enraizamento cultural territorial-ambiental, que começa com a descoberta do fogo e culmina na moderna criação da informática. (MOREIRA, 2001, p.22).

A técnica pode, portanto, ser tomada como uma ação que se destina a realização de um objetivo, de uma ação que tem uma certa finalidade e que se materializa/territorializa no espaço através de objetos, ditos técnicos, mas que também podem ser considerados geográficos, pois são fruto de uma ação, que ocorre ao mesmo tempo, que é a da produção do espaço. O espaço geográfico é produzido através de técnicas desde o surgimento da humanidade e de sua socialização. [segue ...]




espaço

O ESPAÇO GEOGRÁFICO
Orlando Albani

A história e a geografia da Humanidade bem poderiam ser resumidas pela história das relações entre sociedade e natureza, ou, ainda, pela execução de um projeto humano de “libertação progressiva em relação aos diferentes tipos de coações e de constrangimentos que limitam a experiência humana tradicional e, sendo a experiência determinada pelos quadros do espaço e do tempo, é em relação a esses quadros que o homem moderno pretende, antes de mais, libertar-se” (Rodrigues, 2001: 49 - cf. Lugar global e lugar nenhum)
Para libertar-se das coações do tempo e do espaço, entretanto, foi preciso relacionar-se com elas, o que significou, na prática, em relações com a natureza natural da Terra, ou, em outras palavras, com a natureza exterior ao homem. Entraram aí as diversas técnicas desenvolvidas pela humanidade para relacionar-se com o tempo e o espaço, com a natureza e, claro, com as sociedades que a compõe, que é o campo das relações que os homens instituem entre si mesmos. Técnicas – em seu sentido amplo – como a agricultura (que possibilitou o sedentarismo e o surgimento de cidades), a indústria, a navegação, as ferrovias, os automóveis e a comunicação (telefonia, televisão, satélites, internet) tornaram-se, enfim, a principal forma de relação dos homens entre si e, logicamente, destes com a natureza. Para Milton Santos (Santos, 1997: 25 - cf. A natureza do espaço)

a principal forma de relação entre o homem e natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais , com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” [...geográfico].

Uma das definições mais simples de “espaço geográfico” é a deste como um espaço produzido (portanto guardando em si um projeto e uma racionalidade especifica) através de relações entre homem e natureza. Mas o produto deste relacionamento foi a progressiva humanização da natureza, com as conseqüências geográficas e ecológicas que, nos meados do século XX, convencionou-se denominar questão ou crise ambiental. Aquecimento global, depleção (“buraco”) da camada de ozônio, poluição atmosférica e hídrica, escassez de recursos naturais diversos devido a sua péssima utilização, extinção de espécies, pobreza, violência urbana... enfim, uma longa lista de efeitos negativos de tal “relação” que “se não forem remediados, no limite, ameaçam (...) [a] vida” na Terra (Guattari, 1995: 7 - cf. As três ecologias).

África


Manuel Castells: “É só o começo ...”
Manuel Castells entrevistado por Jordi Rovira, Universitad Oberta de Catalunya

Os meios de comunicação passaram semanas centrando sua atenção na Tunísia no Egito. As insurreições populares que se desenvolveram após o sacrifício do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, terminaram em poucos dias com a ditadura de Bem Ali e na sequência, como peças enfileiradas de dominó, com a “presidência” de Hosni Mubarack. Abriram-se processos democráticos em ambos os países. Manifestantes também saem às ruas árabes na Líbia, Iêmen, Argélia, Jordânia, Bahrain e Omã.
Em todos esses processos, as novas tecnologias jogam um papel chave primordial — em especial, as redes sociais, que permitem superar a censura. Ante esse desfecho histórico, MANUEL CASTELLS, catedrático sociólogo e diretor do Instituto Interdisciplinar sobre Internet, na Universitat Oberta de Catalunya, aprofunda a reflexão sob o que se passa e oferece chaves para entender um movimento cidadão que tira o máximo proveito dos novos canais de comunicação ao seu alcance.

ENTREVISTA
[Jordi Rovira] Os movimentos sociais espontâneos na Tunísia e Egito pegaram desprevenidos os analistas políticos. Como sociólogo e estudioso da Comunicação, você foi surpreendido pela ação da sociedade-rede destes países, em sua mobilização?

[M. Castells] Na verdade não. No meu livro Comunicação e Poder, dediquei muitas paginas para explicar, a partir de uma base empírica, como a transformação das tecnologias de comunicação cria novas possibilidades para a auto-organização e a auto-mobilização da sociedade, superando as barreiras da censura e repressão impostas pelo Estado. Claro que não depende apenas da tecnologia. A internet é uma condição necessária, mas não suficiente.As raízes da rebelião estão na exploração, opressão e humilhação. Entretanto, a possibilidade de rebelar-se sem ser esmagado de imediato dependeu da densidade e rapidez da mobilização e isto relaciona se com a capacidade criada pelas tecnologias do que chamei de “auto-comunicação de massas”.

Poderíamos considerar estas insurreições populares um novo ponto de inflexão na história e evolução da internet? Ou teríamos que analisá-las como conseqüência lógica, ainda de grande envergadura, da implantação da rede no mundo?

As insurreições populares no mundo árabe são um ponto de inflexão na história social e política da humanidade. E talvez a mais importante das muitas transformações que a internet induziu e facilitou, em todos os âmbitos da vida, sociedade, economia e cultura. Estamos apenas começando, porque o movimento se acelera, embora a internet seja uma tecnologia antiga, implantada pela primeira vez em 1969.

A juventude egípcia desempenhou um papel chave nas insurreições populares, graças ao uso das novas tecnologias. No entanto, segundo os cálculos de Issandr El Amrani, analista político independente no Cairo, apenas uma pequena parte da população egípcia dispõem de acesso a internet. Pensa que esta situação pode criar uma brecha – usando suas próprias palavras, entre “conectados” e “desconectados” – ainda maior que a que se da nos países desenvolvidos?

O dado já esta antiquado. De acordo com uma pesquisa recente (2010), da empresa informação Ovum, cerca de 40% dos egípcios maiores de 16 anos estão conectados à internet — se levarmos em conta não apenas as ligações domiciliares, mas também os cibercafés e os centros de estudo. Entre os jovens urbanos, as taxas chegam a 70%.Além disso, segundo dados recentes, 80% da população adulta urbana esta conectada por celulares. E de qualquer maneira, estamos falando de um país com 80 milhões de habitantes. Ainda que apenas um quarto deles estivessem conectados, já poderia haver milhões de pessoas nas ruas. Nem todo o Egito se manifestou, mas uma número de cidadãos suficiente para que se sentissem unidos, e pudessem derrotar o ditador.A história da brecha digital em termos de acesso é velha, falsa hoje em dia e rabugenta. Parte de uma predisposição ideológica de certos intelectuais interessados em minimizar a importância da internet. Há 2 bilhões de internautas no planeta, bilhões de usuários de celulares. Os pobres também têm telefones móveis e existem ainda outras formas de acessar a internet. A verdadeira diferença se dá na banda e na qualidade de conexão, não no acesso em si, que está se difundindo com rapidez maior que qualquer outra tecnologia na história.

Até que ponto o poder dispõe de ferramentas necessárias para sufocar as insurreições promovidas desde a rede?

Não as tem. No Egito, inclusive, tentaram desconectar toda a rede e não conseguiram. Houve mil formas, incluindo conexões fixas de telefone a numero no exterior, que transformavam automaticamente as mensagens em twetts e fax no país. E o custo econômico e funcional da desconexão da internet é tão alta que tiveram que restaurá-la rapidamente.Hoje em dia, um apagão da rede é como um elétrico. Bem Ali não caii tão rápido, houve um mês de manifestações e massacres. O Irã não pode se desconectar a rede: os manifestantes estiveram sempre comunicando-se e expondo suas ações em vídeos no Youtube. A diferença é que ali, politicamente, o regime teve força para reprimir selvagemente sem que interviesse o exército. Porém as sementes da rebelião estão plantadas e os jovens iranianos, 70% da população, estão agora maciçamente contra o regime. É questão de tempo.

A mobilização popular através dos meios digitais criou heróis da cibernéticos no Egito — como Weal Ghonim, o jovem executivo do Google. Que papel podem desempenhar esses novos lideres no futuro de seus países?

O importante das “wikirrevoluções” (as que se auto-geram e se auto-organizam) é que as lideranças não contam, são puros símbolos.Símbolos que não mandam nada, pois ninguém os obedeceria, eles tampouco tentariam impor-se. Pode ser que, uma vez institucionalizada, a revolução coopte se algumas destas pessoas como símbolos de mudanças — ainda que eu duvide muito que Ghonim queira ser político. Cohn Bendit era também um símbolo, não um líder. Foi estudante e amigo meu em 68, ele era um autêntico anarquista: Rechaçava as decisões dos líderes e utilizava seu carisma (foi o primeiro a ser reprimido) para ajudar a mobilização espontânea.Walesa foi diferente, um vaticanista do aparato sindical. Por isso, tornou-se político rapidamente. Cohn Bendit tardou muito mais e ainda assim é, fundamentalmente um verde, que mantém valores de respeito às origens dos movimentos sociais.

A aliança entre meios de comunicação convencional e novas tecnologias é o caminho a seguir no futuro, para enfrentar com êxito os grandes desafios?

Os grande meios de comunicação não têm escolha. Ou aliam-se com a internet e com o jornalismo cidadão, ou irão se marginalizando e tornando-se economicamente insustentáveis. Mas hoje, essa aliança ainda é decisiva para a mudança social. Sem Al Jazeera não teria havido revolução na Tunísia.

Em um artigo intitulado “Comunicação e Revolução”, você recordou que em 5 de fevereiro a China havia proibido a palavra Egito na Internet. Acredita que existem condições para que possa ocorrer, no gigante asiático, um movimento popular parecido com o que esta percorrendo o mundo árabe?

Não, porque 72% do chineses apoiam seu governo. A classe média urbana, sobretudo os jovens, estão muito ocupados enriquecendo-se. Os verdadeiros problemas do campesinato e operários — ou seja, os verdadeiros problemas sociais da China — encontram se muito longe. O governo resguarda-se demais, porque a censura antagoniza muita gente que não está realmente contra o regime. Na China, a democracia não é, hoje, um problema para a maioria das pessoas, diferente do que ocorria na Tunísia e no Egito.

Esse novo tipo de comunicação, globalizada, atomizada e que se nutre se da colaboração de milhões de usuários, pode chegar a transformar nossa maneira de entender a comunicação interpessoal? Ou é apenas uma ferramenta potente a mais, à nossa disposição?

Já tranformou. Ninguém que esta inserido diariamente nas rede sociais (este é o caso de 700 dos 1,2 milhões de usuários) segue sendo a mesma pessoa. Mas não é um mundo exotérico: há uma inter-relação online/off-line.Como esta comunicação mudou, e muda a cada dia, é uma questão que se deve responder por meio de investigação acadêmica, não através de especialistas em fofocas. E por isso empreendemos o Projeto Internet Catalunha na UOC.

Podemos dizer que os ciber-ataques serão a guerra do futuro?

Na realidade, esta guerra já faz parte do presente. Os Estados Unidos consideram prioritária a ciberguerra. Destinaram a este tema um orçamento dez vezes maior que todos os demais países juntos. Na Espanha, as Forças Armadas também estão se equipando rapidamente na mesma direção. A internet é o espaço do poder e da felicidade, da paz e da guerra.É o espaço social do nosso mundo, um lugar hibrido, construído na interface entre a experiência direta e a mediada pela comunicação, e sobretudo, pela comunicação na internet.Tradução: Cauê Seigne Ameni

FONTE:
http://www.outraspalavras.net/2011/03/01/castells-sobre-internet-e-insurreicao-e-so-o-comeco/ [04/03/2011]

quinta-feira, 10 de março de 2011

Uma definição de ...

1. GEOGRAFIA – A Geografia é uma ciência que busca entender e explicar as relações das sociedades (e destas entre si) no processo histórico e social de apropriação [palavra importante que significa “tornar próprio ou tomar para si”] da natureza. Ao apropriar-se da natureza a humanidade cria territórios e transforma o ambiente natural, adequando-o às suas necessidades, produzindo aquilo que chamamos de espaço geográfico. Assim, sendo o espaço geográfico um espaço que é apropriado pelo Homem, resulta deste fato a criação não apenas de territórios, mas de paisagens (artificiais) específicas. Assim a Geografia interessa-se especialmente pelo espaço geográfico.


2. ESPAÇO GEOGRÁFICO – É um espaço humanizado, transformado pelo Homem, no qual coexistem elementos naturais e artificiais e onde se dão relações sociais e econômicas que afetam o meio natural. Note-se que, alterado o meio natural (a natureza), existem conseqüências que acabam por interferir na vida humana. (Um exemplo atual é o chamado “aquecimento global”.) Assim o espaço geográfico é dito um espaço híbrido, natural, artificial, social e econômico ao mesmo tempo. Entender como ocorrem historicamente (ao longo do tempo) essas transformações do meio natural (da Natureza) e quais são as consequências desse fato para o Homem constitui um dos objetivos da Geografia. Entender ou pensar o espaço geográfico (ou simplesmente o “espaço”) supõe considerar um campo de interrelações entre a NATUREZA [o relevo, o clima, a vegetação, os recursos naturais ...], a SOCIEDADE [hoje, dos diferentes países] e a ECONOMIA [o trabalho, as atividades econômicas, o uso dos recursos naturais e o capitalismo].

3. PAISAGEM – É o espaço que pode ser captado pela visão, sendo formada por formas e objetos. Na verdade a paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento, expressam as relações do homem com a natureza e, claro, da(s) sociedade(s) com aquele espaço ou lugar. Paisagem e espaço geográfico não são sinônimos. A paisagem é um conjunto de formas e objetos (naturais [como uma floresta parcialmente desmatada] ou artificiais [uma cidade ou uma plantação de soja]) resultantes das ações humanas sobre o espaço. A paisagem é o visível, são as formas que constituem um lugar. O espaço geográfico são as formas mais as ações humanas (o movimento, a vida) que ocorrem naquela paisagem.


4. TERRITÓRIO – No sentido social, econômico e geográfico, é um espaço delimitado e apropriado por um grupo social e sobre o qual esse grupo exerce algum tipo de poder ou controle. Os territórios são espaços delimitados com os quais um grupo social (uma sociedade, uma etnia) mantém relações de poder e controle, mas também relações de afetividade e identidade (uma identificação com aquele espaço específico). Na síntese, é um espaço sobre o qual alguém (uma pessoa ou um grupo) tem poder. Assim, analisar um território significa pensar não apenas os seus limites, mas: “o que contém aquele território [recursos naturais e humanos]?” e “quem domina ou influência quem, e como, naquele território?”.


5. LUGAR – Uma definição de lugar é a deste como o espaço onde se dão as relações sociais e econômicas cotidianas e rotineiras. Trata-se de um local definido pela subjetividade (por questões de cunho pessoal e particular) e pela identificação (ou identidade) com aquele espaço (então, um lugar), como, por exemplo, o país, o estado, a cidade, o bairro ou a rua em que nascemos ou moramos.


6. REGIÃO – Região é um espaço delimitado a partir de critérios (características) que se definem subjetivamente. Estes critérios podem ser os mais diversos, como o idioma, a religiosidade ou mesmo alguma característica natural. Assim podemos regionalizar a África pelo critério religioso, identificando no norte do continente uma “região islâmica” ou, no Brasil, uma região amazônica, caracterizada pela presença da floresta Amazônica. De certo modo, determinar uma região (regionalizar) significa identificar uma qualidade ou característica que é predominante em um determinado espaço, que então é delimitado, “criando” uma região.


7. ESTADO-NAÇÃO – Esta expressão binomial (“que une dois termos”) geralmente é referida simplesmente como Estado (com “E” maiúsculo) ou ainda como Estado Nacional (então sem hífen). Os Estados-Nações são uma forma de organização social, política e econômica de um território e que surgiu a partir da Europa entre os séculos XV e XVI. No entanto os Estados-Nações somente se tornaram a forma dominante de organização do espaço geográfico no século XIX (anos 1800 em diante). Os primeiros Estados-Nações merecedores do termo foram Portugal, Reino Unido, França e Estados Unidos. Estruturalmente o Estado-Nação é formado por um território, um governo centralizado e uma população. A parte da população nascida naquele território estatal é denominada de Nação. Do termo Nação deriva o conceito de “nacionalidade”, que significa pertencer a uma nação. Nacionalidade, então, tem o sentido de uma identidade específica, ligada a uma história e a um conjunto de valores próprios de um grupo social. Resumidamente, ao falarmos em Estado, estamos nos referindo à organização política de um território e ao falarmos em Nação estamos nos referindo à identidade nacional de um grupo de pessoas que se reconhecem e dividem uma mesma história. Assim, cabe lembrar que os Estados podem conter uma única Nação ou várias Nações (quando então são denominados de Estados multinacionais ou multi-étnicos). O Reino Unido da Grã-Bretanha é um destes casos. O Estado britânico é composto por quatro nacionalidades: ingleses na Inglaterra, escoceses na Escócia, galeses no País de Gales e irlandeses na Irlanda do Norte; o que difere este país do Brasil ou do Uruguai, onde todos são brasileiros ou uruguaios. Por fim devemos ressaltar que como forma de organização política de um território os Estados (como o Brasil) geralmente adotam um organização espacial composta por diferentes unidades: o estado (como o Rio Grande do Sul), os municípios (como Porto Alegre), que são, no caso brasileiro, a menor unidade administrativa do território nacional e o bairro, que é uma subdivisão municipal.


8. ESCALAS GEOGRÁFICAS – A abordagem da Geografia sobre o espaço geográfico geralmente acontece a partir de diferentes escalas geográficas (não confundir com escalas cartográficas). As escalas geográficas (escala local, regional, nacional, continental, planetária ou global) são formas de repartição do espaço considerando o grau de conseqüências que possuem os fatos. Uma guerra civil seria um exemplo de fato. Assim a escala local normalmente se refere ao âmbito municipal ou da cidade onde acontecem as relações mais cotidianas. Depois temos as demais escalas: a regional (referindo-se a uma região), a nacional (um país ou Estado-Nação), a continental (um continente inteiro) e a planetária ou global (todo o planeta). A importância das escalas geográficas está nas relações que se dão nelas e, muito importante, entre elas. Assim existem fenômenos nacionais que podem ter conseqüências regionais (em vários países) ou até globais. Um exemplo, como colocamos, seria uma guerra civil (um fato em si de escala local ou nacional). Por conta da guerra pessoas procuram segurança fugindo de um país para outro, onde se tornam refugiados. Esses refugiados tornam-se “um problema” para o país que os recebe... Assim tal guerra deixa de ser apenas um fato “nacional” e passa a ser também “regional”, pois afeta diversos países da região.


9. CAPITALISMO – O capitalismo (ou modo de produção capitalista) é “um sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção (terras, máquinas e outros equipamento indispensável para a fabricação de mercadorias), [NO CONTROLE DOS RECURSOS NATURAIS,] na organização da produção visando o lucro e empregando trabalho assalariado.”. Surgiu na Europa a partir do início do século XVI na forma mercantil (capitalismo mercantil ou mercantilismo). A partir de 1760 entra em sua fase industrial com a Primeira Revolução Industrial na Europa (Inglaterra), quando surge o trabalho assalariado no sentido que conhecemos e tomando a forma atual.