quinta-feira, 14 de julho de 2011

transnacionais

Estado-nação e empresas globais: territorialidade e transterritorialidade no capitalismo do início do século XXI


Orlando Albani de CARVALHO [1]

O Estado possui na atualidade, assim como antes, um papel central. Mas falar na importância do Estado, de certa forma, contradiz Sousa Santos (2001), para quem o Mercado (como poder e regulação, portanto a maiúscula) superou o Estado no último século. Porém, como salienta Mészáros (2003), 

o sistema do capital não sobreviveria uma única semana sem o forte apoio que recebe do Estado” (p.29) e, apesar do avanço do neoliberalismo – promotor do Estado mínimo e do chamado “Mercado Livre” –  na segunda metade do século XX, “o Estado nacional continuou sendo o arbitro último da tomada de decisão socioeconômica e política abrangente (p.33).

Claramente o problema não está no Estado em si ou na da “globalização econômica”, mas nas políticas que os Estados-Governos realizam.

A questão, desta maneira, não é o poder do Mercado superando o poder do Estado (ou a dialógica entre Estado e mercado), mas o quanto nos últimos 30 anos, o Estado passou a ser cada vez mais um servidor do Mercado. É isso, afinal, o neoliberalismo, que disfarça-se em uma “natural” globalização econômica: um situação onde o Estado, mais que ser “mínimo”, deve dar ao Mercado todas as condições para a realização da lógica capitalista, ou seja, acumular capital para acumular mais capital.  Este Mercado, se concordamos com  Immanuel Wallerstein (2002, 2001), não é e não pode se livre. Em “O fim do mundo como o concebemos”, Wallerstein (2002), ao analisar as relações entre Estado e capitalistas, considera os serviços que o capitalista necessita do Estado.

Quais são os serviços que o capitalista necessita do Estado? O primeiro e maior serviço que exigem é a proteção contra o mercado livre. O mercado livre é inimigo mortal da acumulação do capital. [...] O mercado real nada tem de livre. (p.97)

O problema do “livre mercado” é que em uma condição – hipotética – realmente livre, a concorrência seria enorme ou, nos termos, de Wallerstein, as “entradas” de competidores seriam muito grandes, o que tenderia a minar os monopólios. Os monopólios são o “jardim do éden” dos capitalistas. Evidentemente os capitalistas-empresários estão sempre competindo entre si no mercado. Mas a questão da lucratividade não exige a perpetuação de monopólios: estes podem durar apenas alguns anos ou décadas para produzirem uma acumulação satisfatória. 

De qualquer forma não se deve levar aqui o termo “monopólio” ao pé-da-letra. No sistema capitalista mundial, os monopólios são exercidos por conjuntos de empresas (oligopólios) que admitem a concorrência apenas entre si – é o caso do automóveis e do petróleo – onde qualquer “nova entrada” de um potencial concorrente, caso não se proponha à “jogar o jogo” em termos de eficiência ou nível de preços, é imediatamente submetida às pressões do Estado, aliás, dos Estados, uma vez que o controle sob quem pode ou não estar no Mercado é outra função destes, o que é feito por meio de legislações, subsídios e formação de blocos econômicos que alteram o caráter da competição em favor de determinadas empresas ou setores comerciais.

Apesar da transnacionalidade das empresas ou de sua desterritorialidade ou ainda, no que tange à composição acionária, o próprio capital de uma empresa ser ‘multinacional’, toda empresa tem uma base nacional. A Ford ou a General Motors, podem ter participação de capitais alemães ou japoneses, mas são estadunidenses e  esperam dos Estados Unidos o devido respaldo em questões comerciais.  Investidores, quando compram ações no mercado financeiro, também consideram isso. Isso significa dizer que as empresas, apesar da “globalização”, não deixaram de ter vínculos nacionais, ainda que atuem transnacionalmente.  De acordo com Mészáros (2002, p.229)

Os países capitalistas dominantes sempre defenderam (e continuam a defender) seus interesses econômicos votais como combativas entidades nacionais, apesar de toda a retórica em contrário. Suas companhias mais poderosas estabelecem-se e continuam a funcionar pelo mundo afora; são “multinacionais” apenas no nome. Na verdade, são corporações transnacionais que não se sustentariam por si mesmas.
 
Desta forma, para  Magdoff (1978, p.183 apud Mészáros, 2002, p.229)

É importante ter em mente que praticamente todas as multinacionais são de fato organizações nacionais que funcionam em escala global. Não estamos negando que o capitalismo seja, e sempre foi, desde o inicio, um sistema mundial, nem que tal sistema tenha se tornado mais integrado por ação das multinacionais. Contudo, assim como é essencial compreender e analisar o capitalismo como sistema mundial, é igualmente necessário admitir que cada empresa capitalista se relaciona ao sistema mundial por intermédio do Estado-nação e, em última análise, dele depende.” [o grifo é nosso]

Os Estados são fundamentais para “abrir” mercados – seja por meios políticos, econômicos[2] ou militares – e estabelecer as regras da concorrência (as vezes mesmo de um Estado sobre outro), facilitando ou dificultando as “entradas” de novos concorrentes no mercado. Dito de outro modo: também cabe aos Estados transnacionalizar o Mercado, de forma, é claro, favorável a si – como Estado – e as empresas que nele tem sede.  Neste sentido também deve-se levar em conta as relações de poder que se estabelecem (ou estabeleceram) entre os Estados e que o sistema capitalista moderno é um sistema inter-estatal, que é um campo de relações de poder.[3] Ao final observa-se, neste mecanismo, um aspecto contraditório do sistema, pois, em certas oportunidades, Estados e Mercado, acabam entrando em conflito, apesar de dependentes um do outro.  Nos termos de Mészáros,

uma das contradições (...) mais importantes do sistema se refere à relação entre a tendência globalizante do capital transnacional no domínio econômico e a dominação continuada dos Estados nacionais como estrutura abrangente de comando da ordem estabelecida.” (2003, p.33)

Assim, apesar dos discursos sobre a globalização econômica, onde os Estados devem deixar o caminho livre para a regulação natural do Mercado, devemos considerar que este não é o ultimo degrau da história.  Ellen M. Wood também vê na época atual um paradoxo que envolve a relação entre o Estado-Nação e o Capitalismo. Para esta autora

“o capital foi capaz de estender seu alcance econômico para muito além das fronteiras de qualquer nação-Estado, mas o capitalismo ainda está longe de prescindir da nação-Estado.” (Wood, 2003, p.8)

            Wood (2003) ainda pondera que o capital necessita do Estado como mantenedor da ordem e das garantias das condições de acumulação (p.8), assim, para esta autora, é possível considerar que


“hoje estejamos assistindo aos efeitos de uma contradição crescente entre o alcance global das forças econômicas e as instituições de administração e repressão locais e territoriais de que o capital ainda necessita.” (Wood, 2003, p.8)[o grifo é nosso]

            O capitalismo transterritorial ainda necessita de instituições territoriais como o Estado. É próprio do capitalismo ser global ou transterritorial ou mesmo, como dizem alguns em referencia às empresas transnacionais, ser desterritorializado, isto é, sem apego à territórios, não ser dotado da fixidez dos Estados-Governos, contudo, ainda assim, ele requer ‘marcos regulatórios’ territoriais, pois ele necessita, precisamente, de espaços econômico-políticos diferentes, ou seja, de territórios diferenciados política, econômica e socialmente, para atuar.

Não nos parece que interesse ao capitalismo, e às empresas globais, que o planeta venha a constituir um território único, regido por um mesmo corpo regulatório e, sem dúvida (coisa de menor interesse ainda), socialmente igualitário. Para o Capital, o planeta deve ser exatamente territorializado, deixando para as empresas globais a faculdade da mobilidade transnacional. Assim a organização sócio-política (a estatalidade) deve ser territorial (planetariamente formada por diversos e diferentes territórios[4]) e as empresas desterritorializadas.

Talvez mais acertado seria denominar a forma de atuação das corporações globais não de desterritorializada, mas sim de transterritorial ou mesmo multiterritorial, pela capacidade que estas tem de transitar por diversos territórios nacionais e intra-nacionais (assim tais empresas não seriam apenas transnacionais, pois elas atuam não apenas superando as fronteiras dos Estados-nações, mas também fronteiras de territórios internos a estes Estados).

 Referências Bibliográficas


MAGDOFF, Harry. Imperialism: From the Colonial Age to the Present. – Nova York: Monthly Review Press, 1978.
MÉSZÁROS, István. O século XXI: socialismo ou barbárie? – São Paulo: Boitempo, 2003.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. – São Paulo: Boitempo Editorial; Editora da UNICAMP, 2002.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. – São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática (v.1: A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência). – 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2001.
WALLERSTEIN, Immanuel. O fim do mundo como o concebemos: ciência social para o século XXI. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico e civilização capitalista. – Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.




[1] Licenciado em Geografia/UFRGS. Mestre em Geografia (Análise Ambiental e Territorial) pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS. – e-mail: orlando_albani@yahoo.com.br.
[2] Como os embargos econômicos ou a taxação de produtos vindos de um determinado país para, reduzindo o mercado deste, forçá-lo a abrir-se à produtos ou empresas do primeiro.
[3]O poder se mede por resultados; poder é fazer a coisa a seu modo.” (Wallerstein, 2002, p. 95)
[4] Os Estados são e devem ser, na lógica do Capitalismo, diferentes, ou seja, configurar-se como territórios, onde aspectos básicos para o Capital se diferenciem, como taxas de juros, valor da mão de obra ou preço das matérias .

Nenhum comentário:

Postar um comentário